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Layany Ramalho Lopes,Especial para Opinião Pública
O núcleo básico e essencial de formação dos sujeitos, e, consequentemente do Estado, é e continuará sendo a família. Família: substantivo simples no conceito gramatical, mais complexo em seu impacto na vida das pessoas. A família é uma estrutura pautada no amor, na solidariedade, no reconhecimento, na compreensão e no afeto.

Até o Código Civil de 1916, família nada mais era que um núcleo de pessoas agrupadas pelos laços de sangue e onde o pai possuía o poder familiar. Essa visão patriarcal perdeu força com os grandes avanços e conquistas da sociedade, e foi extirpada de fato com o Código Civil de 2002. A partir deste ano, se deu a despatrimonialização do Direito Civil. A dignidade da pessoa humana ganha força em detrimento do patrimônio que antes comandava todas as relações interprivadas.

As constituições democráticas atuais reconhecem as diversas formas de famílias, das tradicionais às mais diferentes, ou seja, daquelas constituídas pelo casamento, pelas uniões estáveis, monoparentais ou pluriparentais, esta estrutura multifacetada fixa o caráter eudemonista que se traduz a família que é unida por laços afetivos e busca a felicidade individual de cada membro da mesma.

Vivemos hoje o fenômeno das famílias recompostas ou reconstituídas, que são aquelas formadas por pessoas que estão ligadas pelo amor. Assim, a presença do afeto, do carinho, da atenção, do cuidado, do alimento é que ensejam a presença de uma estrutura familiar, independentemente de quem são, quantos são, e se possuem laços sanguíneos, os indivíduos envolvidos.

A humanidade abriu suas fronteiras e se reposicionou quanto ao capital econômico, gerando avanços na seara do consumo, favorecendo inclusive o hiperconsumismo, mas no que tange às famílias e os relacionamentos interpessoais o passo foi no sentido diverso. Os casamentos arranjados, a desvalorização do sujeito, a monetarização das trocas afetivas, deram espaço para uma relação baseada na compreensão, no amor, no carinho, no cuidado, na presença e no companheirismo.

É na família que a pessoa se completa, em que o eu se transforma em nós. Mas essa concepção de família, pautada no afeto e amor recíprocos não pode se transformar em uma aberração, no sentido de busca de monotonizar o afeto e as relações humanas. A tese do abandono afetivo, também denominada de teoria do desamor, tem sido discutida amplamente pela doutrina brasileira, tanto por autores que se dedicam à responsabilidade civil, quanto entre os familiaristas.

Todavia, ao se analisar o dever de reparar, devemos considerar: Como dar a certeza de que o abandono de um dos genitores foi à causa de um abalo psicológico? Até que ponto pode- se mesurar os danos psíquicos e a real origem desse dano?

Impende-se salientar que o abalo emocional nunca é provocado por um fato único, mas por uma cadeia de fatores unificados entre si. Não é algo certo e inquestionável que o filho desprovido de afeto paternal sofrerá necessariamente um dano. É necessário destaque para as reações do ser humano, pois existem formas distintas de interpretar e reagir diante da mesma situação.

Celina Leão nos traz que o abalo psicológico também pode ser desencadeado por fatores outros, que não a ausência paterna, sendo proveniente do meio onde o indivíduo vive, das demais pessoas, com quem mantém relacionamentos, sua índole, seu jeito de ser, sua forma de amar.

Por fim, ter-se-ia ainda que constatar a culpa para configuração do dano moral. Age com culpa quem poderia agir de maneira diversa, tendo em vista um dever preexistente. Na subjetividade do que seja afeto, concluir-se-ia pela impossibilidade de condenar alguém por não ter afeto por outrem, visto que poderá ocorrer do agente ter a consciência plena que deu afeto e o ofendido achar exatamente o inverso, ou achar que o afeto dado não foi o suficiente.

É importante na apuração do abandono afetivo, verificar se a culpa se deu de forma única e exclusiva do genitor que está sendo processado, vez que não são raros os casos em que o genitor contrário impede o contato com os filhos e, assim, impossibilita uma aproximação. Dessa forma, o transtorno causado pela falta de auxílio, da presença e/ou do incentivo psicológico, que se deu por culpa externa ao genitor, que hoje é considerado perverso, não pode ser caracterizado como o ato ilícito.

Nesta seara, bastante polêmica, a argumentação do Ministro Asfor Rocha do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em uma decisão reformada em novembro de 2005, merece destaque:

“[…] dada a importância que tem a família na formação do próprio Estado. Os seus valores são e devem receber proteção muito além da que o Direito oferece a qualquer bem material. Por isso é que, por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai – o que, diga-se de passagem, o caso não configura – a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extra patrimonial, a destituição do pátrio poder, no máximo isso. Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria ‘x’; se abandono por um mês, o valor da indenização seria ‘y’, e assim por diante. […]”

Da decisão acima citada e dos argumentos até aqui expostos, a crítica que se faz quanto às indenizações reparadoras por afetividade, ou a teoria do desamor, restam no terreno da averiguação do dano causado, do nexo de causalidade entre essa ação/omissão e o efetivo dano, além da quantificação dessa possível reparação.

Creio que as teorias das responsabilizações afetivas sejam relativamente novas e, como tais, devem ser utilizadas com cautela, com fins de garantir um real direito e não – meramente – fazer nascer um novo mercado.

Devemos tomar o mais absoluto cuidado para não monotonizar o afeto, nesta era que é de despatrimonialização das famílias, pois é inadmissível em face do valor sentimental julgar as relações familiares desta forma.

É inegável que existem casos particulares de dever de reparar um dano imaterial, mas são casos especiais e raros. Assim, é o caso da menina adotada de Uberlândia (MG) que foi devolvida por seus pais adotivos após oito meses de convívio.

Devemos ter cuidado e atenção para não industrializarmos o dano moral e banalizarmos as indenizações perseguidas. Como deixou claro a ministra Nancy Andrighi: “Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.”

Ninguém pode ser compelido a amar, mas sim a cuidar que é corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. É dever dos operadores do Direito discutir e debater sobre os novos e atuais temas do direito das famílias e, utilizá-los da melhor forma possível, sempre com muita cautela. Moderação é a palavra de ordem neste tema.



(Layany Ramalho Lopes Silva, bacharel em Direito, aprovada no XIV Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, servidora pública estadual na Secretaria Estadual de Saúde)

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